quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Carta do Zé Agricultor para Luis da Cidade

Por Fernando Sampaio

Anda circulando aí pela internet. O pior é que é tudo verdade...
Luis, há quanto tempo!

Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.

Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormir já era mais de meia-noite.

De madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né, Luis?

Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos aí da cidade.

To vendo todo mundo falar que nós da agricultura estamos destruindo o meio ambiente.
Veja só. O sítio do pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro de uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.

Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade né, Luis?

Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né?) contratei o Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa.

Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário?

Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra né, Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca.

Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom, Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudí-lo.

Depois que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, né? Casei.) tiramos o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dias pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me prender, mas me obrigou a dar seis cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, ai quando vocês sujam o rio também pagam multa grande, né?

Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios ai da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado.

Mas não é o povo da cidade que suja o rio né, Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande e dá até prisão.

Cortar árvore então, Nossa Senhora! Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.

Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram oito meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.

Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de R$500 a R$20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.

Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mas fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisar de nós, os criminosos aqui da roça.

Até mais Luis.

P.S.: Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta em papel reciclado, pois não existe por aqui, mas aguarde até eu vender o sítio.

Pastoreio rotacionado com caprinos na Capritec

domingo, 8 de dezembro de 2024

Canal PCD60: começando 2...

 A ideia do Canal PCD60 surgiu quase que por acaso.

Publiquei um “Piloto”, para ter uma ideia qual seria a receptividade.

Me surpreendi com o resultado, muita gente retornou, elogiando e incentivando.

Confesso que até me assustei um pouco, e a primeira conclusão é que não dá para ser tão intuitivo como eu imaginava, tenho que me preparar melhor.

A fonte de informação obvia: internet...

Google, Youtube, Instagram, Face Book...

Primeiras conclusões:

A grande maioria dos vídeos do YouTube que assisti são de jovens com metade da minha idade ou menos, sem nenhuma preocupação com referências, invariavelmente aprenderam por si, na prática...

O oposto da “academia”, onde invariavelmente os “formadores de opinião” tinham da minha idade para mais, em parte porque eu era mais jovem, óbvio, mas também porque era necessário ter experiência, produção própria e baseada em outras experiências, para adquirir credibilidade.

Muito interessante...

Seguindo um pouco mais duas coisas foram se evidenciando:

·         Ainda não encontrei nenhum Canal voltado para PCDs mais maduros como eu. Daí o resgate da Fábula do Vendedor de Sapatos...

·         Por trás de uma aparente casualidade, tem muita técnica e tecnologia nos vídeos com melhor resultado. E com a preocupação de reter o usuário fica evidente a preocupação de um grande volume de informações no menor tempo possível. Então alguns vídeos, principalmente nos tutoriais (ainda é esse o nome?) são MUITO rápidos, muita informação, algumas ao mesmo tempo, apresentadas rapidamente, com terminologia especifica...

Ao menos em parte, esse último parágrafo explica o anterior...

Mas se cheguei até aqui, e porque sou “um pouco” teimoso...

Seguindo adiante, vou compartilhando a jornada...

sábado, 7 de dezembro de 2024

A Fábula do Vendedor de Sapatos

Uma indústria de calçados desenvolveu um projeto de exportação de sapatos para uma determinada região da África.
Em seguida, mandou separadamente dois de seus melhores vendedores para fazerem as primeiras observações do potencial daquele futuro mercado.
Depois de alguns dias de pesquisa, um dos vendedores enviou a seguinte mensagem para a direção da industria:
- Senhores, cancelem o projeto. Aqui ninguém usa sapatos.
Sem saber desse mensagem, o segundo vendedor enviou a sua:
- Senhores, tripliquem o projeto. Aqui ninguém usa sapatos, ainda.
Ou seja, a mesma situação era um tremendo obstáculo para um dos vendedores e uma fantástica oportunidade para o outro.
Da mesma forma, tudo na vida pode ser visto com enfoques e maneiras diferentes. 
Os tristes acham que o vento geme, os alegres acham que ele canta...
O mundo funciona como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos.
A maneira como você encara a vida faz TODA a diferença.
Onde estão as PcDs com 60 anos ou mais na internet?
Em minhas pesquisas iniciais praticamente não as encontrei...
Felizmente, eu tenho a tenência de pensar como o segundo vendedor...

Peripécias de um PCD com 60 anos...

O Blog PCD60 é dedicado às peripécias de um PCD com 60 anos de idade, portador de necessidades especiais a 32 anos...