sábado, 10 de agosto de 2013

Nordeste produtivo: integração sequeiro-irrigação: potencializando a ovinocaprinocultura do Sertão São Francisco

Por Rafael Sene, Revista Cabra e Ovelha (http://www.cabraeovelha.com.br)

Nesta edição teremos um Pé na Estrada diferente. Ao invés de sair pela estrada em busca de projetos e personagens interessantes para o desenvolvimento da atividade, vou falar do que está acontecendo dentro da NOSSA porteira!

Como muitos sabem, além de colaborador da Revista Cabra e Ovelha também sou produtor de caprinos e ovinos, e deixei o estado de São Paulo para investir na região com maior potencial de crescimento da caprinovinocultura brasileira: o vale do São Francisco, um importante pólo Juazeiro-Petrolina, unindo os estados da Bahia e Pernambuco, com localização central da região nordestina, encravada no meio do sertão e abençoada pelas águas do Velho Chico.
Composta por diversas cidades circunvizinhas, que fazem da região uma potência agropecuária, vem há muito tempo chamando a atenção por seus projetos de fruticultura irrigada, sendo o maior exportador do Brasil em frutas como manga, melão, uva e etc. Atraindo grandes empresas do setor e cada vez mais investidores para a região.
Mas de uns tempos pra cá, um importante componente destas paragens começou ganhar importância nacional: o bode! Sim o bode, como são chamados por aqui, tanto o ovino como o caprino.
O Sertão do São Francisco possui um dos maiores rebanhos de ovinos do Brasil, e sem dúvida o maior rebanho de caprinos. Espécies que há séculos ocupam estas terras e agora buscam espaço no cenário do agronegócio.
Quantidade é o que se tem por estas bandas, mas precisamos e muito, profissionalizar a atividade, trabalhar a qualidade do produto ofertado, a regularidade da produção e a padronização de carcaça de cabrito e cordeiro produzidos. Criar modelos de produção, transformar o sertanejo, hoje criador de bode, em produtor rural com mentalidade de empresário do campo!
Como costumo dizer, temos que transformar o potencial da região, em potência propriamente dita! E digo sem medo de errar, o potencial para ovinocaprinocultura é imenso, são características únicas... mas ainda temos muito trabalho pela frente.
Em um primeiro momento podemos pensar que o grande responsável por isto é a irrigação, possibilitando a produção de muito verde para alimentação dos animais. Mero engano, pois terras produtivas existem em muitos lugares do Brasil, com boas pastagens, alimento em abundância, produção de grãos e tradição na pecuária. A riqueza da região é o sertão! O diferencial está no sequeiro, no meio da caatinga, a potência é exatamente o bioma único que a região proporciona para os caprinos e ovinos.
E não teime, a região é para o bode... este sequeiro é rico em proteína, com vegetação arbustiva, chão seco, sol intenso e muito, mas muito, calor. Resumindo, o ambiente ideal para o bode! Não à toa, existem milhões de cabeças de ovinos e caprinos na região. Aí sim está a diferença: aqui tem rebanho, tem volume de produção... aqui é a terra do bode!!!
Mesmo na seca que vem maltratando estas terras nos últimos anos, o bode tá vivo e gordo. Tendo água pra beber e saciar a sede, comida não falta. Tem muita folha na caatinga, tem flores e frutos caindo, tem comida de alta proteína para se alimentar. A aptidão para região é a ovinocaprinocultura, em muitos casos esta é a única opção de negócio para as propriedades.
É preciso organizar, trabalhar, estruturar as fases da cadeia, buscar um modelo de criação, transformar a produção de subsistência do sequeiro em atividade de inclusão do pequeno produtor no agronegócio; montar uma ovinocaprinocultura empresarial, composta por vários elos de uma mesma cadeia de negócios.
O que temos feito no Projeto AgroCuraçá é uma parte de todo este processo, trabalhando com sistema de parcerias com produtores da região, organizando a produção e estruturando um sistema de criação que integre a área irrigada com o sequeiro. Sabemos que é um projeto de longo prazo para chegarmos à qualidade que objetivamos.
Hoje, temos na caatinga produtores de ovinos e caprinos que trabalham dentro da sua realidade e perspectivas de mercado com venda local, onde temos baixos índices produtivos, alta mortalidade, pouca utilização de tecnologias, com rebanhos sem raça definida e criados extensivamente.
Nossa proposta com estes produtores não é de ensiná-los a criar, porque isto eles sabem e tem muito a nos ensinar, a ideia é implementar medidas onde, com pouco investimento e algumas ações, podemos mudar sensivelmente esta situação.
Primeiramente a parceria de comercialização com o compromisso dos dois lados, onde ajudamos o produtor a produzir e garantimos a compra dos animais no desmame, e da mesma forma o produtor se empenha para produzir a qualidade que o mercado quer e vende sua produção para nós.
Realizamos orientações aos produtores em visitas técnicas e reuniões, por consequência, entramos com algumas ações como seleção do rebanho e melhoramento genético, com o empréstimo de reprodutores Boer aos produtores, garantindo assim um melhor desempenho dos cabritos na fase de engorda.
Anteriormente os animais nascidos na propriedade eram soltos na caatinga após a desmama, sendo abatidos apenas quando adultos, com uma carne de qualidade inferior ao gosto do mercado comprador. E o pior, a mortalidade destes rebanhos com números em torno de 70%, dados oficiais e comprovados em nossas andanças pelo sertão.
Hoje, ao comprarmos os animais no desmame temos quase 100% de liquidez no rebanho do produtor, que tem um novo horizonte em um mercado ainda pouco conhecido por ele. Uma possibilidade de vender toda sua produção praticamente sem perdas e em um ciclo mais curto, fazendo com que a propriedade se especialize com a fase de cria; forma-se aí um elo forte da cadeia. O produtor se especializa, capitaliza e entra no mercado, reinvestindo, melhorando de vida e permanecendo no campo.
Se o sequeiro é a grande máquina produtora, o Rio São Francisco é o grande fator que potencializa, transformando uma região onde EXISTE muito bode, em uma região capaz de PRODUZIR muito cabrito e cordeiro. É um somatório de virtudes, combinação quase única no mundo e que credencia o Vale e o Sertão do São Francisco em destaque na ovinocaprinocultura mundial.
Da caatinga, os cabritos desmamados são levados para a área irrigada, realizando de fato a integração das 02 fases. Cabritos saudáveis e bem nutridos, animais jovens e melhorados geneticamente, nascidos no sequeiro, agora sendo engordados em fazendas que se especializaram na produção de alimento e muito verde nas áreas irrigadas.
Na fazenda Adeilma, em Curaçá/BA, distante 90 Km de Juazeiro, o projeto está sendo desenvolvido com uma proposta de modelo de criação com a implementação de 40 hectares de áreas irrigadas, onde se prioriza o plantio de leucena para pastoreio dos animais como excelente fonte de proteína, além de gramíneas consorciadas. Somado à isso, campos de palma serão implantados, formando 20 hectares, que servirão de fonte de energia no balanceamento nutricional dos animais, sem contar nas reservas estratégicas de capim Napier e cana.
O conceito da criação é trabalhar em sistema semi-extensivo, com toda produção de alimentos dentro da própria fazenda, independendo de variação de preços de grãos, e partindo para uma alimentação mais saudável, respeitando hábitos alimentares e o bem estar animal. A fazenda, na área irrigada, se especializa em produzir alimentos e na engorda e terminação de cabritos e cordeiros, partindo do mesmo princípio de formar outro elo forte da cadeia.
Outros elos fazem parte deste processo, antes e depois da produção: empresas, universidades, centros de pesquisa, governo, associações, frigoríficos e abatedouros, comércio e o principal - quem decide, o consumidor. Simples assim, vários elos, cada um fazendo sua parte.
O Sertão do São Francisco nos últimos tempos tem visto o desenvolvimento de alguns projetos na região com esta finalidade de organizar a produção, visando o potencial da ovinocaprinocultura, atraindo investidores e desenvolvimento. Transformando estas terras em destaque na produção de carne de cordeiro e cabrito, se inserindo no cenário do agronegócio através desta eficiente integração sequeiro-irrigação.

Rafael Sene é colaborador da Revista Cabra & Ovelha, ovinocaprinocultor, inspetor de registro da ABCC, integrante da comissão técnica da ACCOSSF, médico veterinário com Especialização em Produção e Reprodução de Caprinos e Ovinos, e MBA em Agribusiness na FGV.
rafaelsene@yahoo.com.br

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