Clovis Guimarães Filho
Os governos, federal, estaduais e municipais, pagaram seguro
garantia-safra a mais de 700 mil agricultores familiares do semiárido na safra
2010-2011 e, por incrível que pareça, ainda fazem ruidosa publicidade dessa
ação que pode ser considerada como um prêmio a um insucesso planejado. O foco
central dos debates é equivocado. Não se discute a produção e o que precisa ser
feito para incrementá-la. Praticamente não se vê nos noticiários publicidade
sobre tonelagens recordes, ou mesmo normais, de milho e feijão produzidas,
apenas quantas mil famílias foram “beneficiadas” com os programas de
distribuição de sementes ou com o pagamento do seguro. Bastante compreensível a
omissão, considerando que os cultivos de milho e do feijão no semiárido só têm
chance de sucesso em três de cada dez anos de cultivo. O problema é que o
seguro garantia-safra é aplicado para qualquer área do semiárido, sem critério
claro de zoneamento e na grande maioria dos cultivos, nas zonas mais secas, o
agricultor familiar não conta com qualquer apoio técnico capaz de, pelo menos,
fazê-lo associar alguma técnica de preparo do solo para captar e armazenar um
pouco mais da pouca água que cai, nem mesmo uma simples curva de nível. Um estudo da Embrapa indica que essas
culturas são de muito baixa viabilidade em mais da metade da área do semiárido,
aquela correspondente às áreas consideradas no estudo como de “baixa oferta
ambiental”. Somente no estado do Piauí o governo já pagou mais de 120 milhões
de reais aos agricultores por perdas na safra no período 2003 a 2010. Dos mais
de 68 mil agricultores inscritos no Garantia Safra 2010-2011, apenas 338 (meio
por cento) conseguiram salvar mais de 50% da produção esperada. A apicultura
piauiense sofre um dos seus maiores prejuízos com a falta de chuvas. Foram 230
toneladas exportadas pela central APIS em 2011 e apenas 3 toneladas agora em
2012. Um desastre para os milhares de apicultores do semiárido piauiense. Para
isso não há “seguro garantia safra”. Nos casos do milho e feijão, pode-se
afirmar que, de certa forma, eles foram induzidos a plantar o que não deveriam
plantar. Em Pernambuco, dos 66 municípios inscritos, 52 comunicaram perdas ao
MDA. Por que a persistência com este programa que estimula o cultivo do que não
dá para pagar o seguro porque não deu? Por que não limitam o seguro às áreas
onde essas colheitas sejam agronomicamente mais viáveis e nas áreas mais secas
implantam um seguro mais coerente com aquilo que realmente é estratégico para a
vida do produtor que nelas habita, como o caprino, o ovino, o mel, a galinha e
o umbu. Seria um programa que poderia genericamente se chamar seguro
“garantia-bode” ou “seguro-bode”, o que sintetiza aquilo que realmente o
produtor familiar precisa, pois quando a falta de chuvas induz uma escassez
desses produtos, o produtor e sua família têm realmente comprometida a sua
sobrevivência. Todo o mundo sabe do valor do bode como o principal fator de
fixação do caatingueiro, mas, até hoje, nenhum programa massivo de formação de
reservas de forragem para o período seco foi implementado. Alguém sabe qual foi
o estoque estratégico, em toneladas de silagem ou de feno ou de palma ou de
palhadas, montado pelos estados do Nordeste para enfrentar o período seco de
2011? E para 2012, quais são as metas previstas? Parece que a ocorrência de uma
seca sempre nos pega de surpresa. Na contra-mão, os programas estaduais de
“melhoramento genético dos rebanhos” continuam cada vez mais fortes, agravando
ainda mais o problema da criação nos períodos de escassez, já que, sem ações
simultâneas de melhoria da alimentação e manejo, tais programas contribuem
apenas para reduzir o caráter rusticidade dos rebanhos miscigenados,
tornando-os bem mais vulneráveis às estiagens. Sem falar na contínua erosão
genética que descaracteriza o tipo naturalizado do caprino da caatinga cuja
carne apresenta inegável potencial de conquistar os mais exigentes mercados. As
armas efetivamente estratégicas contra as secas devem residir em planos microrregionais
ou territoriais articulados das secretarias estaduais de agricultura com os municípios
e as organizações de produtores, tendo por base o reconhecimento das secas como
fatores normais de produção e não como anormalidades. O continuísmo de
programas que priorizam a distribuição indiscriminada de sementes de milho e
feijão, de animais “melhoradores”, de carros-pipa, de cestas básicas, de bolsas
isso e bolsas aquilo apenas sugere a incompetência dos governos e
principalmente, o completo desconhecimento do potencial em recursos naturais e
humanos do semiárido para seguir um caminho mais compatível com as demandas de
suas populações. O nosso desafio é adequar as inovações e as políticas públicas
às circunstâncias e potencialidades dos produtores de base familiar do
semiárido, tomando em consideração suas instituições, sua racionalidade, seu
limitado acesso a insumos e a assistência técnica e os recursos disponíveis na
propriedade. No semiárido, como em qualquer outra região, cada ação ou etapa
desse trabalho, inclusive a introdução de novas tecnologias, deve ter seu tempo
certo e seu espaço adequado para execução. Em suma, não podemos continuar alterando o ecossistema para adaptar
pseudo-soluções exógenas. As verdadeiras soluções estão
aí, bem a nossa frente. Só precisamos aprender a enxergá-las. Urgentemente, já
que a caatinga está sendo dizimada a um ritmo próximo aos 300 mil hectares anuais.
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1 Médico-Veterinário, M.Sc. em Animal Science,
ex-pesquisador da Embrapa, consultor do Projeto Bioma Caatinga-BA