quinta-feira, 5 de maio de 2011

Desenvolvimento integrado da zona caprinícola da Bahia

Por Clovis Guimarães Filho, consultor e ex-pesquisador da Embrapa Semi-Árido – E-mail: clovisgf@uol.com.br

O desenvolvimento local integrado e sustentável requer a formação de uma cadeia de iniciativas e empreendimentos que, sem intervir na racionalidade própria do mercado, se complementem, maximizando as potencialidades de produção, comércio, serviços e consumos locais. Ou seja, diversidade e complementaridade são as palavras-chave. Nesse sentido, a zona caprinícola do sertão baiano do São Francisco, conhecida como a "zona do bode", parece satisfazer plenamente os requerimentos básicos para implementar um processo dessa natureza, considerando a multiplicidade de atividades que lá ocorre.

Sob o ponto de vista quantitativo, a “zona do bode” da Bahia é considerada a mais importante do Nordeste. Os municípios componentes concentram um rebanho caprino de quase 1,4 milhão de cabeças, correspondentes a aproximadamente 20% do rebanho nordestino. Dados da Embrapa Semi-Árido, ainda não publicados, mostram, contudo, que nas quatro tipologias de unidades produtivas identificadas, a receita é extremamente diversificada. Ela se origina de atividades internas (criação de caprinos, ovinos e bovinos, lavouras de sequeiro e extrativismo) e externas (venda de mão-de-obra, aposentadoria e remessa de familiares), demonstrando que essa zona não seria assim tão “caprinícola”. As receitas externas, contudo, só superam as internas no tipo mais pauperizado e a criação de caprinos e ovinos só não constitui a principal fonte de receitas internas no tipo mais capitalizado (fontes e composição da renda em anexo).

Analisada como agronegócio, a cadeia produtiva de caprinos e ovinos da região é ainda bastante incipiente, apresentando acentuadas debilidades tanto no segmento produtivo como nos segmentos transformador e distribuidor, resultando em produtos de baixa qualidade, de oferta irregular e de custos não competitivos. Falta ao caprino-ovinocultor típico da região uma visão mais objetiva do contexto econômico em que vive e das estratégias de valorização dos seus produtos capazes de lhe propiciar uma base mais segura na busca de uma maior inserção no mercado.

O que uma proposta de desenvolvimento dessa região deve privilegiar é a busca de formas de maximização da eficiência desses sistemas produtivos que impliquem, simultaneamente, maior interação entre os subsistemas dentro da unidade e desta com as demais atividades agrícolas e não-agrícolas fora da unidade produtiva. É perfeitamente possível o desenvolvimento de sistemas diversificados de base familiar, incluindo a criação de caprinos e ovinos, oferecendo ao mercado, pelo menos um dos produtos com as qualificações mercadológicas de ordem sanitária, sensorial e de uso exigidas pelo consumidor. O aumento da oferta de empregos agrícolas e não-agrícolas em um programa como esse, estará, portanto, diretamente vinculado ao fortalecimento da natureza pluriativa de sua economia e da eficiente exploração do potencial de sinergias entre os seus distintos setores. Além, naturalmente, do grande potencial para fortalecer a sua caprino-ovinocultura, a região apresenta uma série de vantagens competitivas e comparativas, capazes de fundamentar estratégias específicas para uma proposta desta natureza, merecendo ser citadas a diversidade atual de atividades e a possibilidade de integração de muitas dessas atividades com os perímetros de irrigação. O forte dispositivo institucional técnico-científico existente na região constitui um outro importante fator de apoio.

A região apresenta uma multiplicidade de atividades, algumas já consolidadas, outras ainda incipientes, porém com um grande potencial de crescimento (mapa ilustrativo em anexo). São cerca de 150 mil pessoas ocupadas apenas nos estabelecimentos rurais. Estas atividades, incluem desde o próprio sistema extensivo de criação de caprinos e ovinos, associados ou não a lavouras de subsistência (milho, feijão, mandioca), até sistemas intensivos de cultivos irrigados de fruteiras para exportação (manga e uva), passando por mineração (cobre, calcáreo, mármore, granito, pedras semi-preciosas), artesanato (couro, madeira e minério), agroecoturismo (fruticultura irrigada, vinícolas, grutas, reservas ecológicas, sítios históricos, lazer e esportes aquáticos), piscicultura (grandes açudes e rio São Francisco), além de indústrias e comércios de bens e serviços agrícolas e não-agrícolas. As grutas Toca da Boa Vista e Toca da Barriguda, em Campo Formoso, consideradas as duas mais extensas do Brasil, o sítio histórico de Canudos, o lago da barragem de Sobradinho e as inscrições rupestres da reserva ecológica da Serra do Mulato, são exemplos marcantes do potencial da região para um programa integrado de turismo com a as áreas irrigadas e de sequeiro. Até mesmo o fortalecimento das festas populares (vaquejadas, feiras, exposições) podem se constituir em valioso instrumento de geração de emprego e renda. A festa do peão boiadeiro de Barretos movimenta anualmente valor correspondente a mais de duas vezes o movimentado pelo carnaval carioca. Esse quadro de diversificação favorece sobremaneira as sinergias entre os setores primário, secundário e terciário da economia.

Existem na região quase 25 mil hectares irrigados, já em operação, e mais de 60mil em fase de implantação ou programados. A integração das atividades agropecuárias exercidas nas áreas de sequeiro com as das áreas irrigadas representa um formidável potencial de benefícios econômicos e sociais ainda hoje subvalorizado e negligenciado nos projetos públicos e privados direcionados para essas duas áreas. Na prática, já existe uma forte interdependência entre as duas situações, embora, os projetos públicos se apresentem mais como verdadeiros “ghetos” de riqueza rodeados de favelas de pobreza e de subdesenvolvimento. A fruticultura irrigada é altamente dependente do esterco da zona de sequeiro. Ela também necessita fundamentalmente da sua mão-de-obra (bacia de empregos). Outras formas de integração entre as duas áreas compreendem trocas e serviços mais qualificados que começam a proliferar (restos de cultivos irrigados para alimentação animal, podas, pulverizações, serviços mecanizados, fornecimento de carne e leite, transporte, etc.). Para o caprino-ovinocultor, contudo, a exploração dessas espécies em integração com as áreas irrigadas, na forma de cria no sequeiro e acabamento nas áreas irrigadas (confinamento, a pasto ou em consórcio com fruteiras) seria a alternativa de maiores perspectivas.

A proposta para a caprino-ovinocultura representaria a primeira etapa de um plano de desenvolvimento local (territorial), incluindo etapas subsequentes de fortalecimento integrado das demais atividades, consolidando, nesse espaço, um eixo econômico agricultura irrigada-caprino e ovinocultura-agroecoturismo-mineração. Em todas essas etapas, as ações deverão ser direcionadas para estabelecer um dispositivo capaz de não apenas exteriorizar os recursos específicos internos do território (produtos, conhecimento técnico local, rede de atores, instituições) mas, também, de expressar sua capacidade de recombiná-los e de associá-los aos recursos externos necessários. As ações devem ter como referência balizadora a conservação da biodiversidade, procurando conciliar a intensidade de cada uma das atividades com as restrições ambientais necessárias a neutralizar a erosão dessa diversidade biológica.

A região, como exposto anteriormente, preenche todos os requisitos para responder positivamente a um programa dessa natureza, contribuindo para um melhor ordenamento e maior equilíbrio no processo de integração econômica e social entre as distintas condições agroecológicas lá existentes.

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